quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Natal das Armas

Como trabalho com consultorias de atendimentos e reengenharia de lojas em geral , fui indicado para uma loja de artigos de caça , pesca e que tinha um setor de armas para defesa pessoal.
Na verdade fui apenas indicado e fiz uma reunião na loja mas recusei o serviço e no decorrer do texto irão entender o porque da recusa.
O dono da loja em questão que ironicamente se chamava Armando a havia constatado que seu negócio precisava de uma reciclagem de atendimento aos clientes e uma alteração logística de foco de vendas.
Para isso ele queria meus trabalhos para acertar toda esta parte pois para ele estaria por vir o melhor final de ano para seus negócios. Segue-se então os trabalhos que iriam se realizar na loja.
Tudo iria englobar um treinamento de atendimento dos funcionários , uma mudança no layout da loja , e uma campana publicitária para o natal , trabalho este que estava baseado na não aprovação da proibição de vendas de armas no pais.
Ou seja o Sr.Armando estava apostando que na continuidade das vendas não seria apelativo (já que o plebiscito já havia dado uma notoriedade na imprensa sobre armas)convidar o povo para presentear seus entes queridos com armas , e que seriam mais úteis que cd´s , dvd´s que já eram produtos de primeira pedida nas festas de natal e amigos secretos.
O Sr. Armando queria que desenvolvêssemos um vale arma igual aos vales presentes das lojas para que fossem comprados pelos clientes neste final de ano memorável.
Imaginem vocês a cabeça fantasiosa e ao mesmo tempo realista deste Armando querendo realizar no Brasil toda uma celebração do comércio aberto de armas , e achando que as famílias teríamos trocas de armas na noite de natal ao invés de cd´s.
Realizem amigos a Vovó me deu uma calibre 12 (uma arma e não um cd da banda punk que adoro) e eu de presente a meu tio dei um 38 com cano refrigerado , e meu avo que não sai de casa por medo de assaltos presenteou meu tio com um vale arma da loja do seu armando pois ele comprou na internet dentro do sistema que criei para a loja do mesmo armando que ainda queria serviços de entregas rápidas.
Imaginem não enviar um ramalhete de flores para sua namorada mas sim uma 9 milímetros.
Como estávamos apenas fantasiando as loucuras de uma mente sadia e empreendedora , foram estas as visões que me fizeram desistir do contrato que apesar de tentador pelo retorno financeiro que alem dos honorários incluía uma clausula de 3 % sobre os valores de aumento no faturamento da loja como bônus sobre os resultados.
Era tentador pois daria um cheque com mais dígitos do que a kilometragem de meu conversível 1988 , mas recusei por vários motivos e um deles foi o de ser a favor da proibição de vendas de armas.
O tempo passou Sr. Armando contratou o concorrente e efetuou as mudanças na loja , veio a consulta popular e o comércio de armas estava liberado.
Sr. Armando comemorou e começaram as propagandas e os descontentamentos.
Ninguém deu a mínima para as mudanças pois não mudou nada , quem tinha arma continuava devolvendo nas campanhas , quem não tinha não comprava e a loja ia se afundando mais e mais quando Sr. Armando me ligou desesperado pois tinha gasto todo seu dinheiro , feito empréstimos , penhorado a cãs refinanciado os carros da família tudo isso para apostar na loja , estoque campanha publicitária e não via resultados.
Mas eu hipocritamente o acalmei , dizendo que brasileiros eram assim mesmo , deixavam tudo para a ultima hora e ainda era 20 de dezembro e que até o natal ele iria zerar o estoque e pagar as dividas.
Eu já sabendo do fracasso eminente disse que ele poderia me ligar caso precisasse e foi o que ele fez no dia 24 de dezembro , após fechar a loja e ir para casa certo de que seria fim de tudo , loja , carros , casa , pois as faturas e empréstimos tinham que ser pagos , caso contrario perderia tudo.
E ironicamente (como tem sido tudo neste texto)ele havia vendido apenas uma arma , para ele mesmo , pois seus filhos e mulher não portavam armas porque ele achava perigoso.
Quando ele me ligou e disse da falência inevitável ,desesperado pois a única arma foi comprada por ele para testar o sistema virtual e a entrega rápida , eu escutei e depois calmamente lhe pedi para ler um e-mail o qual havia lhe enviado pois lhe ajudaria a recomeçar do nada.
Ele desligou leu o e-mail que eu tinha enviado e o mesmo tinha o seguinte texto.
Você acredita em deus ?
Você acredita em Cristo?
Cristo pregava a vida e a compaixão entre os irmãos?
Cristo pregava o perdão acima de tudo ?
Cristo pregava a violência?
Armas são violentas ?
Cristo pregava o uso de armas ?
Se você credita em deus em cristo , teme o inferno e crê na palavra do senhor porque seria a favor de armas?
Sr. Armando eu sou ateu e poderia me dar ao luxo de andar armado e ser violento e não sou , além do mas sou virtuoso pois nem seu dinheiro que vem de amas eu não quis .
Agora você cristão temente a deus vende armas e agradece a ele a cada venda , não sei quem esta errado eu na minha casa tomando cerveja e escutando “Não Religião” na noite de natal ou o senhor se lamentando a não venda de suas armas.
Sendo que a sua falência ira evitar que as mesmas armas caiam nas mãos maldosas , que mesmo fardadas tiram a vida de inocentes .
Pois na guerra social da fome e da desigualdade já dizia o poeta da baixada do Glicério o menos culpado e o menino na favela de fuzil russo.
Bom Sr. Armando agradeço pela compreensão e por ter lembrado de minha empresa no momento contratante , agradeço por ter dado a oportunidade de não lhe prestar serviços e mais ainda por não ter me presenteado com uma arma neste natal.
Nunca tive resposta deste e-mail pois pelo que li nos jornais Sr. Armando se suicidou com a arma que havia comprado na sua própria loja.
Suicídio que se deu as 23:15 do dia 24 de dezembro de 2005 mais ironicamente ainda (para não deixar de ser neste texto)e se o micro estiver certo ele se matou após ler meu e-mail e refletir um pouco pois a confirmação de recebimento chegou ao meu micro exatamente as 23:05 .
Não sinto remorsos pois que morra com as armas os cristões que as defendem de preferência de suicídio , para que nenhum preto morador da favela seja acusado e morto pelos porcos pela morte de mais um comerciante burguês sonegador de impostos.

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